30/8/2017 - Sorocaba - SP
Município imita Brasília e ex-aliados políticos agora trocam farpas até em redes sociais
SÃO PAULO. Um chefe do Executivo teve o mandato cassado após perder apoio político do Legislativo e ser denunciado por sua vice. A situação lembra a vivida pela ex-presidente Dilma Rousseff após as eleições de 2014, mas ocorreu em Sorocaba, no interior de São Paulo. O prefeito José Crespo (DEM) viu a vice Jaqueline Coutinho (PTB) assumir na última quinta-feira após 14 dos 20 vereadores votarem pela sua saída. O racha envolveu troca de farpas em redes sociais e mudança na fechadura do gabinete ocupado pelos dois — Coutinho alega que Crespo a expulsou do local de trabalho propositalmente.
O ex-prefeito era acusado de tentar obstruir investigações sobre a veracidade do diploma escolar de sua ex-assessora Tatiane Polis. A denúncia partiu da então vice, hoje prefeita.
Coutinho alega ter recebido um telefonema anônimo acusando Polis de ter fraudado sua certidão de escolaridade. A Corregedoria-Geral do Município (CGM) já investigava casos similares de servidores em cargos de confiança que teriam utilizado falsos documentos em seus registros. Vereadores que votaram a favor da cassação de Crespo, como Vitão do Cachorrão (PMDB), relatam que o ex-prefeito tentou interromper as investigações e intimidar a vice — todos os funcionários envolvidos no caso dos diplomas, com exceção de Polis, já haviam sido exonerados dos respectivos cargos até junho, quando a denúncia veio à público.
— Foi comprovado que o documento era falso. Ele (Crespo) ficou tão irritado que expulsou Jaqueline do andar. 'Vá ser prefeitinha na sua casa', foi o que ele disse. Esmurrou a mesa, agrediu ela verbalmente, não deixou protocolarem o pedido de exoneração da assessora — disse o vereador ao GLOBO.
A vice declarou em rede social que “não voltaria atrás” em sua denúncia. A trama atingiu ponto crítico quando Crespo determinou que a fechadura do gabinete que ocupavam fosse trocada, segundo Coutinho. Sem acesso ao andar que dividia com o prefeito no prédio do órgão, a vice classificou o episódio como “regime de exceção”.
"Hoje Sorocaba vive um regime de exceção no qual os princípios da democracia e da Constituição foram violados, assim como foi desrespeitada a vontade do povo, que legitimamente votou na vice-prefeita, hoje impedida de exercer seu mandato. Seriam tempos de absolutismo?", escreveu na ocasião.
— Ele trocou o miolo da fechadura para ela não entrar mais no gabinete — endossou Vitão.
Para apurar a situação dos diplomas, a Câmara de Vereadores instaurou uma Comissão Processante e uma CPI — as duas concluíram que houve tentativa de paralisar as investigações do caso Tatiane Polis. De acordo com a Casa, o inquérito da Polícia Civil concluiu que os documentos apresentados eram falsos.
PERDA DA BASE
Eleito pela coligação “Renasce Sorocaba”, que contava com o apoio do PMDB, Crespo viu três dos cinco vereadores da base aliada se voltarem contra ele na votação da última quinta. Além deles, o presidente da Câmara e seu correligionário, Rodrigo Manga (DEM), também foi favorável à cassação de seu mandato. Vitão alega, no entanto, que o resultado não foi em função de divergências políticas.
— Depois da denúncia ele não ouvia mais ninguém, se desentendeu com os vereadores. Nossa decisão não foi política, foi pela quebra de decoro e a falta de respeito conosco e com a Jaqueline.
Crespo exonerou dois de seus secretários para fortalecer a base aliada na votação. Marinho Marte (PPS) e Anselmo Neto (PSDB) foram realocados das secretarias de Direitos Humanos e de Relações Institucionais, respectivamente. Neto, no entanto, foi impedido de votar após os vereadores entenderem que se tratava de uma figura "parcial" por ter trabalhado no governo de Crespo. Assim, o suplente JP Miranda (PSDB) retomou o posto e declarou seu voto a favor da cassação.
A debandada de alguns vereadores aliados e a exoneração de secretários não foram as únicas polêmicas em torno da votação. Silvano Júnior (PV) precisou desmentir, em rede social, que teria recebido uma oferta de propina para votar contra a cassação. Por meio da assessoria de imprensa, declarou que não foi procurado por pessoas ligadas a Crespo e reiterou que votou a favor da saída do ex-prefeito.
Em nota, Crespo afirmou que pretende recorrer da decisão e que a considera ilegal. “O espetáculo de ilegalidades praticadas pelos vereadores da oposição envergonha o meio jurídico e só pode ser rotulado como vergonha”, disse.
TROCA-TROCA
A saída de Crespo provocou uma troca de cargos na Prefeitura de Sorocaba. Ao menos 22 secretários pediram exoneração na última sexta-feira. Em nota, os servidores alegam que a decisão foi tomada para deixar a nova prefeita “à vontade para montar a sua equipe de trabalho”.
O comunicado endossa que o quadro de funcionários havia sido escolhido por Crespo e “gozava apenas da sua confiança”. A assessoria do ex-prefeito afirmou que as demissões devem ser divulgadas no Diário Oficial do município até quarta-feira.
CHAPA PODE SER CASSADA
Na chefia do Executivo há menos de uma semana, Jaqueline Coutinho ainda pode encontrar novas semelhanças com a trajetória do presidente Michel Temer. Em dezembro passado, o Ministério Público Estadual (MPE) moveu uma ação contra a chapa de Coutinho e Crespo por irregularidade na prestação de contas de campanha. A denúncia aponta a ausência de relatórios financeiros referentes a doações feitas à dupla.
Os dois foram absolvidos em primeira instância no primeiro semestre deste ano, mas o Ministério Público recorreu do caso e deixou o desfecho da história em aberto.
Fonte: O GLOBO
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